O último toque ocorreu à hora do almoço num restaurante merdoso perto de casa. Almoçamos como se nada fosse, como se não estivéssemos à beira do precipício. Eu comia o clássico bitoque enquanto a tua sopinha caseira, pasme-se, fumegava. Conversámos à pressa porque tinhas hora de entrada. Eu tinha a tarde livre. Quis fotografar o nosso entrelaçar de mãos, como se no meu íntimo já soubesse que seria a última vez que sentia o calor da tua pele. Perguntei-te qual o significado do anel que ainda tinhas. Respondeste-me que era o mesmo de sempre. Fez-me recordar quando te ofereci. Quando decidimos casar tendo a lua por testemunha. Estava um dia chuvoso. Sabia que, apesar da aparente normalidade, os nossos caminhos tinham-se cruzado e continuado. As nossas mãos entrelaçadas num nevoeiro cinzento espelhavam o definitivo da despedida. No caminho para casa recordei todos os bons momentos que passámos juntos. Senti o cheiro da tua pele, a textura carnuda dos teus lábios, o toque suave da tua pele. As despedidas são em si mesmo uma tortura saudosista. Decidimos, primeiro eu, depois tu, depois só tu, que apesar do amor já nada havia a fazer por nós. Eu discordei. Tu não. Tenho sempre imensa dificuldade em desligar-me. Sobretudo quando o amor paira no ar. Mas há decisões que, depois de tomadas, não se podem contrariar. Claro que o futuro é uma incógnita. A vida dá voltas inimagináveis. Às vezes, só após um terramoto surge a reconstrução. Outras vezes não, ficando os prédios devolutos a apodrecer na noite polar. É eterna a luta pelo equilíbrio. A confrontação com a nossa própria frustração, ainda que num exercício literário, é sempre um farpa que nos atravessa alma. Quero recordar-nos com paixão. Quero esquecer todos os momentos em que não eras tu que me magoavas. Não quero ser teu amigo depois de ter sido teu companheiro. O amor tem tudo ou nada. Não há meio termo. Ou as pessoas se dão por inteiro ou nada tem sentido. Sem cumplicidade total não há amor. Não pode haver. E muito menos amizade depois de ter sido existido paixão. Ou então nunca houve verdadeiramente. Escorrem-me as lágrimas e adormeço...Zzzzzzzz. Até Sempre. Entretanto releio a Casa Dos Budas Ditosos.
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