domingo, 11 de março de 2018

Abnegatio Felix

A tempestade Félix passou por aqui. Não deixa de ser irónico nomear uma tempestade com um nome latim que significa feliz, sortudo e bem-aventurado. Acordei a meio da noite com a chuva e o vento fustigando-me as janelas. O quarto estava quente, mas acordei com frio. E pensei que também eu já fui feliz. Recordo-me que há uns anos atrás era um ser verdadeiramente feliz e equilibrado. Sentia-me bem por onde andava e sentia que as pessoas, não todas felizmente, gostavam de mim. Mas o tempo foi passando e fruto de vários episódios uns ácidos outros cáusticos, o fim é o mesmo, a minha auto-percepção foi ter perdido a felicidade, abandonado hábitos prazeirosos, transformando-me lentamente num velho que acabará os seus dias solitário e esquecido até ser notícia de jornal - "foi encontrado morto há 3 meses na sua residência sem que ninguém tenha dado conta". Perdi verdadeiramente a felicidade. Quero muito reencontra-la, mas continuo numa espiral que atingiu o seu limiar quando me confrontei com uma relação que não existia, uma não-relação. Abri os olhos e percebi-me como um ser estranho, porque alguém assim o construía. Abri os olhos e senti a humilhação invadir-me o corpo. Percebi que sem cumplicidade, honestidade e transparência não pode existir Amor. Podemos querer chama-lo de Amor, mas sem estes pilares não existe de facto. Será outra coisa qualquer que não Amor.

Nunca consegui viver em hipocrisia. Provavelmente fruto dos valores que me foram transmitidos ao longo da vida. Nem viver em hipocrisia nem aceitar a hipocrisia dos outros. Não consigo disfarçar... Sou de facto um ser transparente.

Como num luto patológico continua tudo igual. Os roupeiros vazios, as gavetas em vácuo, o livro na cabeceira na mesma posição. Tudo numa esperança vã de que o tempo volte atrás e os erros não tivessem existido. 

A tempestade Félix passou por aqui e não me levou as mágoas infligidas. Porque o nome Félix então?

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