O amor e as relações entre as pessoas trazem-nos hábitos. A sua ausência custa-nos imenso a ultrapassar. A negação do amor e o abandono dos hábitos são farpas na nossa alma. Os hábitos e rotinas de casal são essenciais para a união das pessoas... quando são verdadeiramente sinceros e não forçados.
Desde que comecei a trabalhar nas obras sempre me habituei com a sua visita ao fim do dia. Raramente passava das 19h, quando ela vinha e me trazia umas minis e uma sandes de coirato. Os meus camaradas de ofício sempre se metiam comigo. "Olha, lá vem o controlo." Aquela pausazinha antes de terminar o turno era uma injecção de serenidade no meu espírito. Quando ela se atrasava um bocadinho já eu andava desconcentrado e sentia que era melhor parar, ou a parede ficaria torta para todo o sempre. E quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita, já dizia a minha avó Zulmira.
Queria acreditar que ela o fazia com muito carinho. Do topo do andaime a 9 andares de altura via o autocarro amarelo da Carris contornar a curva. Observava-a bamboleante com o cesto de verga que compramos num fim-de-semana na Nazaré. Assim que a via, descia o elevador de metal luzidio para ir ao encontro do amor da minha vida. Ficávamos por ali, entre betoneiras e montes de areia a conversar e a comer o farnel. Era um hábito de pouca dura, mas essencial para a nossa felicidade. Habitualmente a seguir ela passava pela casa da Fernanda, amiga de longa data, que fazia de tudo para nos separar. Queria-a só para ela para pôr e dispôr da sua companhia. Uma velhaca essa Fernanda. Não gostava dela nem com molho de tomate.
Hoje fiquei a olhar o infinito à espera de a ver a sair do autocarro. Não aconteceu. As lágrimas escorreram-me pela face e percebi que há hábitos que traduzem o amor. E esses fazem-nos muita falta.
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