Há um dia em que chegamos a casa e paramos em frente à janela. Do meu quarto vejo a foz do Tejo. Na realidade este já morreu e envolveu-se com o Atlântico iluminado pelas luzes alternadas do Bugio. Nos dias de chuva intensa percebe-se, mesmo que ao longe, a mistura das águas barrentas com o azul profundo do mar frio e esbranquiçado pelas ondas que banham a baía de Cascais. Neste dia queremos acreditar que a nossa vida é especial e que somos iluminados pelo Sol incandescente que teima em manter-se acordado atrás da linha de prédios que rasgam o céu à nossa frente. Mas nem a nossa vida é especial nem nós deixaremos marcas numa humanidade que teima em esquecer-se das pessoas pequeninas e comuns. Dos milhões e milhões de pessoas que vão nascendo e morrendo diariamente neste planeta perdido no espaço só uma ínfima parte deixará marcas. Mas mesmo essas é só uma questão de tempo até serem varridas da memória. Há um dia em chegamos a casa e apercebemos-nos que a nossa vida não passa de uma rotina sem sentido. Que não somos verdadeiramente felizes, que mascaramos as nossas vivências com pequenos passatempos e que de um momento para o outro morremos e ninguém se lembrará de nós a não ser ocasionalmente em pequenas conversas melancólicas das que temos a recordar aqueles que já morreram, uns precocemente e outros nem por isso. Hoje cheguei a casa e defrontei-me em frente ao vidro acastanhado que me separa do vento frio e chuvoso que se faz sentir lá fora. Nesses minutos em que o cigarro ardia no cinzeiro o meu pensamento flutuou à minha volta. Pensei nas inúmeras asneiras que já fiz mas também nos momentos em que marquei a diferença pela positiva. No entanto se me perguntarem se sou feliz a resposta é NÃO. Os dias vão passando uns atrás dos outros e sinto falta de qualquer coisa que não sei definir. Vou aliviando a minha dor com música que é um dos meus grandes prazeres, vou adormecendo o sofrimento com leituras, encharco-me de analgésicos sem sucesso. A minha dor é espiritual e não encontro a resposta por mais que procure. Estou cansado desta vidinha rotineira que não traz nada de bom nem a mim nem aos que me rodeiam. Só me sinto bem a viajar e isso não é mais do que uma fuga à mesquinhez que me rodeia. Os amores vão aparecendo e desaparecendo até que nada sobra. Fico só com as minhas paredes cinzentas do fumo espiralado do tabaco, a minha companhia soturna e auto-destrutiva. Surge-me à memória aquele desenho de Quino que acompanha os meus pesadelos desde sempre. Recordo as leituras no sofá da tia Luisa em que me deleitava com este livro até aquele maldito cartoon que sempre me assustou, talvez por medo premonitório de traduzir a minha maneira de estar perante a vida. E desse sempre tive medo.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentem o que vos apetecer. Viva a liberdade de expressão!