quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

cada vez que se perde alguém um universo inteiro desaparece

Cada vez que se perde alguém um universo inteiro desaparece. É uma verdade, daquelas absolutas para a morte mas também para as rupturas. O que é a morte se não o desaparecimento de alguém. O que é o desaparecimento de alguém se não a morte. Quando, num estilo novelesco, as pessoas se zangam e afirmam que nós morremos para elas, de facto é isso mesmo que se passa. Da mesma maneira que, quando morre alguém, ficam as memórias, quando alguém desaparece para sempre das nossas vidas, ficam as memórias e pessoa deixou de coexistir connosco. Assim morte e rupturas andam de braços dados. A única vantagem que uma tem sobre a outra é que para a morte não há remédio, que se saiba, e para as roturas sempre fica uma réstiazinha de esperança. Por muito pequenina que seja, sempre os caminhos se podem cruzar um dia e os erros cometidos no passado ficarem resolvidos. 
Mas, aquilo que se sente mesmo é que um universo inteiro desaparece. Desaparecem as vivências, as cumplicidades, os olhares confidentes, os abraços, os beijinhos, os gostos semelhantes. Desaparecem os jantares à luz da vela, desaparecem os almoços fugidios mas que sabiam tão antes de uma tarde de trabalho intensa. Desaparecem os comandos da televisão arremessados para dentro do alguidar. Desaparecem os livros discutidos, os filmes vistos, as viagens partilhadas. Desaparecem as idas às compras, desaparecem as pequenas discussões, as grandes discussões, desaparecem as reconciliações. Quando alguém desaparece da nossa vida o nosso universo treme até atingir novo equilíbrio. Ficamos perdidos no vodka, ou no martini bianco se agradar mais. Tudo desaparece, as viagens de camelo, de barco, as caminhadas, as viagens de comboio, as protecções mútuas. Desaparecem, ao som de Arcade Fire, os pés arremessados contra a barriga de alguém que tratou mal a pessoa amada. Desaparecem os gritos quando alguém tentou abrir a nossa mochila num prédio pestilento de Berlin.. Desaparecem as tardes de amor ao som de milhares de músicas apreciadas em silêncio. Desaparecem os pés vomitados por uma noite de excessos no Bairro Alto e as olheiras vidradas à porta do Lux. Desaparecem as loucuras do circolo del artisti. Os passeios na Via del Corso. A busca pela farmácia romana... Desaparecem as noites de Jazz nessa Madrid amada e os bolos de chocolate na Amsterdão gelada. Tudo desaparece sem que se tenha querido. Camden Town ficou longe e Londres afundou-se. Olha-se à volta e percebe-se que Gdansk, Warsow, Krakow e Auschiwtz-Birkenau desaparecem do mapa. As viagens podem ser fugas, mas as nossas não foram. Recordo o meu carro novo a passar por entre riachos ao encontro de Gaspar, o burro. Esse universo colorido ficou cinzento. Tudo desaparece menos as memórias, que se vão tornando sépia.
(ouço Nick Cave and the Bad Seeds)

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