quinta-feira, 31 de outubro de 2013

segredos da solidão

A solidão é a força motriz do pensamento romântico. Quando estamos sozinhos sem alternativa as nossas memórias fluem para locais inesperados e distantes. Esquecemos-nos de comer. A tristeza alimenta-nos o espírito. O corpo definha numa convulsão emocional. Os espelhos espalhados não reflectem o corpo que já não parece nosso. Como se de uma feira popular se tratasse. Os espelhos são ondulados e deformam tudo o que deles se aproxima. As janelas abertas ondulam os cortinados inexistentes destes quartos vazios. Sentimos as correntes de ar como chicotes. O lixo acumula-se. A caixa do correio idem. O caos instala-se. Os pratos vazios empilhados. As revistas dobradas sem ordem. Os cinzeiros transbordam. O café acaba sem que se dê conta. A solidão mantêm-nos acordados durante a noite. A almofada que cai e ninguém a apanha. Escreve-se sobre a solidão como se ela merecesse alguma consideração. Talvez para algumas pessoas a solidão seja um modo de vida. Não para mim. Sempre tive necessidade de chegar a casa e não encontra-la vazia. Os telefones e as redes sociais não matam as saudades. Sobretudo se as chamadas não atendidas se forem acumulando e os registos sejam os mesmo de há um ano. As memória coloridas metamorfoseiam-se em rasgos B&W. O bolor acumula-se lentamente nas paredes testemunhas do amor que aqui já se sentiu. Não mais. Tudo morre à nossa volta quando não existe amor. As plantas com a terra seca entram em colapso. O lado negro da força tudo invade. A solidão é escura e oportunista. Surge quando menos se espera. Cada vez mais compreendo os workaholics. Não há nada mais triste do que as relações que nos são impostas. Colegas de trabalho, da faculdade, amigos circunstanciais. As relações impostas não são puras. Recordo-me sempre dos tempos da escola. Haviam aqueles amigos que pareciam para a vida. Quando se mudava de turma, de escola, de ambiente, desapareciam da nossa vida como se nunca tivessem existido. Raras excepções existiram. O mesmo se passa com as relações. Fico sempre surpreendido como pessoas com quem compartilhamos as nossas vidas, os nossos anseios, as nossas alegrias, tristezas, viagens, pessoas como quem fizemos amor, com quem nos entregamos verdadeiramente na nossa intimidade, desaparecem como se nunca tivessem existido. Há sempre a falácia de que as memórias mantêm as pessoas vivas. Mas nada é mais falível do que as memórias. Tantos momentos recordados que se calhar  não foram bem assim. Ninguém sabe. Mesmo momentos vividos a dois, cada um tem a sua interpretação, as suas cores, sons e sabores guardados. A solidão traz-nos segredos que só nós conhecemos. Na solidão surgem os medos, os anseios e as falsas esperanças. A solidão é diferente de estar só. A solidão é imposta, estar só é uma opção.

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