segunda-feira, 23 de setembro de 2013

o ultimo olhar

O último olhar aconteceu no Campo Grande às quatro da manhã. Cedo para uma noite de fim-de-ano. Fiquei à beira do lancil a fumar um último cigarro enquanto desaparecias na curva da cidade universitária. Um ano antes estivemos lá para comemorar a tua benção das pastas. O risco que corri. Estava-me nas tintas. Nada é mais forte do que o amor verdadeiro e este não escolhe quem quer atingir. Se no início achava que a discrição seria o mais adequado, naquele momento queria gritar aos sete ventos o nosso amor. Sei que fomos falados e tu também. Em registos e patamares diferentes. Curiosamente a minha geração demonstrou ser menos cinzenta e preconceituosa do que a tua. De facto não se espera um comportamento abstruso de pessoas com pouco mais de vinte anos. As últimas recordações guarda-os do Natal de 2012. A partir daí foi sempre a desfocar. Cada vez mais tudo parece uma história de amor antiga em que os actores foram morrendo aqui e ali, uns de tuberculose, outros de sífilis, como era habitual outrora. Não fossem as tuas fotos continuarem espalhadas cá por casa e provavelmente a tua face seria pouco mais de uma recordação ténue. A figura substitui-se pelo intelecto. E o teu continua tão presente. Não há dia em que em ti não pense. Não fosse ter cortado de vez com o nosso contacto e a DSM-IV teria lugar para mim. Assim chama-se simplesmente mal-amado. Na realidade já nem sei o que se chama. Acho que já não passa tudo de uma birra minha. Gosto de sofrer e alimentar paixões platónicas. Tive algumas muito fortes. Uma delas pela minha professora de matemática no 9ºano. Outra, por uma amiga de cachinhos dourados do grupo de Verão. A facada em cheio que senti quando ela revelou a mim estar interessada em cicrano. E a pedir-me ajuda para o conquistar. Ainda hoje não sei se ela alguma vez soube o que eu senti por ela. Se sim, foi de um grande sadismo. Mas que amor mais puro aquele em se promove a felicidade no objecto do seu desejo. E sim ajudei-a. Sofrendo e corroído por dentro. Nunca mais a vi. Uns amigos comuns disseram-me que estava gorda e velha. Só faltava estar desdentada. Verdadeiros amigos para que eu agradecesse a Deus não ter ficado com ela. Tudo mentira, vi-a uma vez ao longe no Colombo e continuava deslumbrante como eu a sempre vi. Recordo a pele dourada e aquele olhar doce. Não há paixões como quando se tem 16 anos. Vou voltar ao meu livro... 

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