Complicamos as nossas vidas. Temos uma esperança média de vida tão curta e tanta necessidade de complicarmos o pouco tempo que por cá andamos. Não somos nada comparado com a imensidão universo. Uma ínfima parte de energia que se esgota a cada dia que passa. O meu discurso junto dos meus filhos sempre tentou desmistificar a morte. E conseguiu-o. De facto, eles, tal como eu, não a receiam. Sabem que é algo tão natural como o nascimento, como a fecundação, como o início da vida. A morte não é mais do que uma sublimação. Neste universo, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A nossa energia ficará por cá. Mas creio que quando fecharmos os olhos tudo acabou. Iremos viver alguns anos nas memórias dos nossos amigos e familiares até que eles também sigam o curso inevitável da morte. Nada é tão certo. Podemos ter a sorte de viver longos e bons anos até que as nossas células esgotem a parca energia que aprisionam ou ter o azar de uma morte violenta num acidente. Mas de tudo aquilo que nos podemos mudar ao longo da nossa vida a morte não é certamente. Este conceito faz-me recordar que habitualmente damos tanta importância a coisinhas tão pequeninas quando na realidade devíamos viver cada dia intensamente. Sair, cheirar, respirar, absorver aquilo que o mundo tem de bom para nos dar. Nunca sabemos se voltaremos a ver a luz do dia, o sorriso dos nossos filhos, sentir o abraço dos nossos amigos, o afagar dos nossos pais e irmãos. Existem poucas coisas que me incomodam. Pensar que posso não acordar sem me despedir de algumas pessoas e não ter dito o quanto gostava delas é uma. Tento pensar nisto quando acordo de forma a ir afirmando as saudades que terei quando partir. Existem pessoas que eu amo tanto e que não o sabem, porque na realidade nunca o afirmei. A pouco e pouco vou afirmando os meus sentimentos. Não quero morrer deixando coisas por dizer. A morte é inesperada. Podemos apressá-la fumando, bebendo, tendo uma vida sendentária, conduzindo a 240 km/h, sofrendo de stress e preocupações, mas ainda assim ela pode não chegar quando esperamos. Não quero deixar emoções por explorar. Na realidade a morte não me assusta, só tenho pena de não ter feito tantas coisas quantas gostaria. Sei que mesmo que morra daqui a 100 anos nunca esgotarei tudo o que gostaria de ter feito. Vou ter saudades das cores, do frio, do Sol, dos meus filhos, dos meus pais, dos meus amigos, da minha música, dos meus livros, dos meus quadros. Vou ter saudades de tirar fotografias. Vou ter saudades do meu trabalho. De colocar bebés no mundo quando eles tal como eu começam a morrer no dia em que nasceram. Talvez, por na realidade a morte me ser estranha, tenha optado por ser obstetra. Continuo a emocionar-me com o primeiro esgar de choro. Por muito automático que seja o parto continua a emocionar-me, confesso que não da mesmo forma melodramática do primeiro por mim realizado, mas sim emociona-me.
O filme a Vida de Pi fez-me pensar sobre a relatividade da sobrevivência e de como o ser humano consegue ser tão eficaz nessa actividade. Marcou-me o argumento, a fotografia, a música e o conceito. Estou a ouvir neste momento a sua banda sonora e deleito-me com a paz de espírito que me traz. Tal como o filme me fez pensar.
Não serve de nada complicar a nossa vida por pequenos grãos de areia cósmicos. Quero viver feliz a cada dia que passa. Olhando para trás compreendo o quanto me tem custado perder algumas pessoas. O que me custou a negação de um dos grandes amores da minha vida, embora essa percepção seja só minha. Tudo porque se complicam ideias, atitudes e maneiras de estar. Hoje estou aqui e amanhã talvez não e deixei por dizer tantas coisas. Uma delas o enorme amor e carinho que tive por alguém que partiu.