sábado, 16 de junho de 2012

xampu

Fecho os olhos enquanto a água tépida me escorre pela face... quase fria. Sorri espalhando o  shampoo de uma só vez envolvendo todo o cabelo. Sorri ao recordar a forma terna com que o depositavas em concha na palma da tua mão e o agarravas aos bocadinhos com a ponta dos dedos antes de o espalhares pelos teus longos cabelos lisos. Pequenos pormenores que te caracterizavam e que ainda me fazem sorrir. Recordei o prazer que tinhas em sentir a água a ferver deslizando sobre a tua pele mantendo-me à margem correndo o risco de ser escaldado. Recordo a sintonia de movimentos quando tomávamos duche a dois e como isso ironicamente se foi perdendo. De facto só os pormenores são realmente importantes. O carinho que guardo das nossas boas recordações é difícil de transcrever, não há prosa nem retórica suficiente para materializar as saudades que sinto da nossa vida a dois, que como o teu shampoo se foi fraccionando, transformando-se em espuma e escorrendo cano abaixo. Naturalmente recordo todas as nossas músicas, filmes, serões, conversas, comunhão, vivências ao ar livre, na praia, no campo, na serra, nas viagens... as saudades que tenho de me banhar contigo no nosso secret spot e sentir a sombra caminhar rapidamente com o som das cigarras ao longe e os cânticos das gaivotas à nossa volta. Recordo a dissecção meticulosa que executavas na comida deixando aquilo que não te interessava na borda do parto, à margem... Embora tente negar a mim mesmo e vá resistindo a telefonar-te, ver-te, ouvir-te... de facto tenho saudades tuas, daquilo que já foste. As tuas fotografias continuam por cá em slide show nas molduras led negras que habitam esta casa mais triste, mais vazia. Fecho os olhos e ouço com atenção a banda sonora do Anjos e Demónios, um dos últimos filmes que vimos enroscados no sofá cizento-tabaco. O último de Fellini ironicamente ficou a meio, também ele retratando um amor mal-vivido. Nunca o irei ver novamente até ao fim... pelo menos sem ti. Por isso, parece-me que fechei definitivamente o meu ciclo de cinema italiano do século passado. E como eu gosto de cinema italiano. De facto, cada vez mais a minha relação amor-ódio em relação a Itália é patente. Aprecio imenso a cultura italiana, passei dias inesquecíveis em Itália, em Roma... e no entanto tantas farpas à posteriori de lá vieram. Recordo o Morango-Côco com que me viciaste e dou comigo na Santini derretendo-me em memórias que parecem cada vez mais distantes. Que circolo degli artisti se transformou a nossa vida, caídos no chão, ao som de Clash, procurando La Gafas, ainda sem a exclusividade das que compraste mais tarde. Tantas recordações que poderia continuar a descrever, tantos pequenos pormenores, tantas vivências e no entanto não soubemos preservá-las condignamente. E digo-o no plural porque não há preto no branco, só cinzento... Quem sabe um dia. 




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