domingo, 3 de junho de 2012

168ª hora


Ao fundo o mar. Espreito pela janela suja e antevejo o dia quente que se aproxima. O Sol põem-se deixando um rasto marmoreo no horizonte. As luzes piscam pela maresia que que nelas poisa. Estás numa ilha longínqua e de ti nada sei. Não te encontro, mas na realidade deixei de te procurar. Não é possível procurar perpetuamente um amor errante. Pareces uma figura de um postal antigo, em tons sépia, encardido e encalhado num expositor de uma loja que morreu no tempo. Seguro o cartão amarelado e endurecido pela exposição às intempéries. Vejo-te numa ilha distante, rodeada pela floresta luxuriante acenando lentamente num adeus que há muito estava presente no teu espírito. Fotografas-me em segundo plano. Apareço desfocado no teu projecto de vida. É inevitável, a luz não se capta da mesma maneira. Ao fundo o mar já só se adivinha. A noite caiu. Vejo intermitentemente a luz verde do Bugio. Assinala o bombordo. A segurança da costa e dos pés bem assentes na terra. Tenho ultimamente, sempre que posso, caminhado junto ao mar. Perto de ti sem que tu dês conta. Leio as divagações psicanalíticas floreadas sob a forma de ficção e revejo-me. A verdade real é a verdade vivida, dizia Nietzche. Com razão. Tudo o resto são artimanhas da nossa mente distorcida. Não se pode apoiar incondicionalmente ninguém, nem o nosso maior amor. Sobretudo quando o mesmo não se demonstra. Não reconheço honestidade intelectual aqueles que nos dizem exactamente o que queremos ouvir. Torna-se demagógico e paradoxal em relação à pureza dos sentimentos que devem unir duas pessoas. Se assim não o é, impossibilita a procura perpétua de um amor errante. Passaram-se 168 horas desde a ultima vez que nos vimos. Cada vez mais claro no meu espírito que terá sido o nosso último ponto de intersecção e divergência. Mas não houve um simples minuto em que em ti não pensasse. Sigo o teu exemplo e recordo o local onde quase fomos assaltados e nos soubemos proteger um ao outro. Nada mais apropriado.

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