domingo, 17 de junho de 2012

O Roupeiro

Esvaziei o roupeiro para te receber. Continua vazio. Tudo o que fui modificando nunca foi reconhecido. Provavelmente nunca o seria. Quando não estamos bem connosco nada nem ninguém nos fará sentir em casa. E de facto esta nunca foi a tua casa. Ou pelo menos nunca a sentiste como tal. Esvaziei o roupeiro para te receber e até isso foi mal recebido. Diminuíste todas as pequenas grandes atitudes por mim tomadas como algo desprezável. Recebi-te numa casa que não era a tua, modifiquei hábitos, alguns bem enraizados outros nem tanto e tu continuaste sempre a ver o copo meio vazio. Quando não nos entregamos a uma relação todas as pequeninas coisas podem ser motivo de discórdia. Quando as ambas as personalidade são fortes as faíscas surgem. Se o gás nos envolve as explosões acontecem. Não obstante, contigo relevei atitudes e episódios que nunca teria conseguido passar por cima com mais ninguém. E talvez tenha sido essa a minha fraqueza. Quando certos pilares são abalados, por muito forte que seja uma personalidade o outro perde verdadeiramente o respeito pela pessoa com quem se compartilha uma vivência, perde o respeito pela relação e surge o desinvestimento. Sobretudo se olhando à sua volta essa relação fica aquém de tudo o resto. Se é sempre vista em segundo plano perante os amigos, a profissão, a família... Esvaziei o roupeiro para te receber, apaguei memórias, escondi fotografias e no entanto nada foi suficiente. A História não se apaga e não entendo bem a diferença entre ter um velho álbum de fotografias numa estante ou escondido num armário. Em ambos os casos está lá. Pode-se ou não promover discórdias com isso. Mas esse não é o verdadeiro problema. Esse reside em ti. Em nós. Esvaziei o roupeiro para te receber, na ingénua tentativa de não te perder. Mas à posteriori, percebi que na verdade nunca te tive. Não passei de uma experiência mal acabada. A pouco e pouco foste-te tornando cada vez mais impenetrável. Ou então tudo aquilo que eu pensei ser transparência nunca existiu de facto. Por muito que me custe a aceitar já que isso corresponde ao meu confronto com a minha própria incapacidade para avaliar as pessoas. Deveria ter fugido no momento certo, mas relevei, e no entanto demonstraste bem que os teus limites eram diferentes dos meus. Esvaziei o roupeiro para te receber e ele continua vazio numa vã esperança de entendimento que não surgirá mais. Aproveitaste uma brecha para te pores ao largo e fugires de vez de algo que nunca quiseste verdadeiramente. Olho para trás e sinto saudades da paixão eloquente que contigo quis viver. Que quis sentir. Terei sido só eu. Entristece-me às lágrimas pensar que sim. Também colocava tudo em segundo plano, mas por ti. Os riscos que corri. Esvaziei o roupeiro para te receber e deixo a porta aberta  para um dia quem sabe te receber...

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