Todos nós guardamos na memória os jogos de infância. Ainda ontem recordei juntamente com colegas o jogo do mata, 1-2-3 lá vai ai, macaca e depois os mais sedutores em que começamos a despertar, o quarto-escuro e o bate-pé. Provavelmente hoje em dia os meus filhos e os restantes miúdos nem sequer saberão do que estamos a falar. Cada um tem uma consola de jogos em casa, televisão por cabo, ipods, computadores on-line 24 por dia. Nós habitavamos as casas alheias em grupo. Nem todos os pais tinham poder económico para oferecer aos filhos um 48K. Há alguns anos atrás custavam perto de 50 contos, o equivalente a hoje oferecermos a alguém um carro como presente de natal. A vantagem é que os amigos juntavam-se aleatoriamente e jogavam em grupo. Os discos ouviam-se em grupo e quando nos fartavamos ia-mos brincar para o jardim da frente. As noites que passei na pré-adolescência a conversar nos bancos do jardim. Eramos rapazes e raparigas no jardim que hoje já não existe. As noites de Luar em cima dos telhados da EDP. Inacreditavelmente perigoso. Se o telhado de fibrocimento se partisse íamos cair directamente no centro dos geradores de alta voltagem. Nem sequer tínhamos a noção. Consegui nunca partir a cabeça. Em compensação fracturei duas vezes o pé esquerdo, a primeira vez caído de uma laranjeira que dava para a janela de um hotel. Tudo na esperança de ver uma bifa loura a despir-se. A segunda, enfiei o pé num buraco e continuei a marcha. A mazela mais grave foi um traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento que me trouxe de charola para as urgências de São José. Claro que fui suturado num joelho, num dedo mindinho com exposição óssea... Enfim... Sobrevivi e vivi a minha infância como se fosse a última infância. Podia ter morrido algumas vezes e sido notícia de jornal. Andei de BMX em contramão, pior... andei de BMX numa torre abandonada sem barreiras de protecção. Subi a gruas, explorei fábricas de conservas desactivadas, brinquei em obras. Recordo-me de ter dado as primeiras passas num cigarro junto à escola primária dentro de umas manilhas de cimento gigantes. O peso na consciência foi tanto que assim que cheguei a casa bebi um litro de leite na inocente tentativa de me desintoxicar. Hoje olho para os meus filhos e para os meus pais e apercebo-me de que eles não tiveram sequer metade das ideias do que nós fazíamos. Mas fomos crescendo em liberdade, algo que os meus filhos não têm verdadeiramente. Aos 7-8 anos já ia para a escola sozinho, isto é, com grupos de amigos. Até aí a empregada dos meus pais ia-me levar. Hoje continuo a deixar os meus à porta da escola de carro. A rotina que lhes imponho, escola, casa, escola, casa sem vivência na rua pelo meio só pode estar a fabricar adultos que não crescem verdadeiramente. Será esta uma infância feliz? Duvido. Não sei que volta hei-de dar a isto. Mas talvez por ter feito tanta merda tenho um medo de morte do que lhes pudesse acontecer. De facto, o ideal seria viver na ignorância como os meus pais.
Ainda hoje falava de irmos brincar sozinhas para os moinhos abandonados, onde hoje é a tua casa e onde na altura só havia montes...
ResponderEliminarÉ verdade, como tudo muda à nossa volta num curto espaço de tempo. Vivo por aqui há 13 anos e quando cá cheguei à minha frente não tinha prédios... Agora é o que se vê. :)
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