quinta-feira, 21 de junho de 2018

A Bonsai.

Deixei tudo como estava. Tudo. Dei duas ou três voltas às chaves. Desci no elevador. Corri o mais depressa que consegui e arremessei-as para o fundo do Tejo, que serpenteava sob os meu olhar. Todos os meus objectos coleccionados ao longo dos anos. Os livros. Os discos. Os filmes. Bugigangas que fui trazendo das viagens por essa mundo fora. Deixei tudo para trás. Enclausurei-os como se de peças preciosas se tratassem. Vim-me embora deixando a cama por fazer. A Bonsai, foda-se, que me esqueci da Bonsai. Os cactos, a palmeira e a fikus. Todos entregues ao seu destino. Como eu. 

Dei duas ou três voltas às chaves. Desci as escadas como se não existisse um elevador neste prédio merdoso. Dei de caras com um velho de roupão e chinelos de quarto, fumando à entrada do prédio. Pela pose deve ter sido operacional da PIDE. Se fosse alemão GESTAPO. Se tivesse um nariz como o meu MOSSAD.  Mandei-o foder mais à Bonsai. Troquei-a por um Tamagochi. 

À medida que caminhava, de mochila às costas azul cueca, a ideia da porta a bater e de toda uma vida enclausurada devolviam-me à melancolia daquele Tejo ondulante sob o meu olhar. Deixei tudo como estava. As cerejas em putrefacção no frigorífico. As garrafas licorosas. Os ímans. A porra do garrafão encostado às gavetas num ângulo perfeito com o Meireles

O pó acumulou-se em tudo o que deixei para trás. A pouco e pouco o musgo e a vegetação foram invadido aquele que outrora foi um lar. 

Quando se condena algo ao desuso as trevas invadem-no sem piedade.

Dei duas ou três voltas às chaves enquanto caminha por esse mundo fora. 

Dei duas ou três voltas ao Mundo numa fuga incessante da infelicidade que sempre me encontra. 

Como a morte munida da sua foice. É tudo uma questão de tempo.


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